Desde a advento da Lei 10.803, de 11 de dezembro de 2003, que
modificou o artigo 149 do Código Penal Brasileiro, o conceito e a
caracterização do trabalho degradante está a desafiar os operadores do Direito.
Com essa modificação, o legislador elevou a nove os tipos penais
caracterizadores do trabalho análogo à escravidão: submeter o trabalhador a
trabalhos forçados; submeter o trabalhador a jornada exaustiva; sujeitar o
trabalhador a condições degradantes de trabalho; restringir, por qualquer meio,
a locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador;
restringir, por qualquer meio, a locomoção do trabalhador em razão de dívida
contraída com preposto do empregador; cercear o uso de qualquer meio
de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de
trabalho; manter vigilância ostensiva no local de trabalho, com o fim de
retê-lo no local de trabalho; apoderar-se de documentos pessoais do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; apoderar-se de objetos
pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. Para
compreender o fenômeno anti-social, anti-humano e antijurídico conhecido como
trabalho análogo à escravidão é necessário despir-se da ideologia escravocrata
dominante que se esconde nos recônditos da alma de interesses mesquinhos que
dominam a humanidade desde as sociedades
tribais e que na antiguidade empurravam o trabalho para os escravos, a fim de
que os cidadãos pudessem ter uma mente sã num corpo são, e que hoje se
manifesta na aceitação tácita que a sociedade outorga a esta abominável
prática. Tal aceitação se configura no silêncio das pessoas de bem ante os
porões e senzalas que são mantidos a céu aberto nos dias atuais em todas as
regiões do Brasil, atingindo todos os quadrantes do nosso País. Pouquíssimas
pessoas de bem ficam indignadas com a neo-escravidão e não tomam eficazmente
nenhuma medida política, jurídica, econômica ou moral contra ela. Tal inércia
equivale a aceitar a escravidão.
Para entender o conceito de trabalho escravo é também
necessário compreender que o modo escravo de produção jamais deixou o nosso
País, pois os escravos negros, com a chamada Lei “Áurea”, não foram promovidos
a cidadãos; somente os seus corpos deixaram de pertencer fisicamente aos
escravocratas, mas sua mão-de-obra continuou a servir os antigos senhores tal
como sempre servira, e ainda de forma mais vantajosa, uma vez que os antigos
senhores podiam pagar – como inda pagam – míseros salários, sem ter nenhuma
outra obrigação com o neo-escravo ou com sua família.
Ante tal quadro é fácil compreender a razão pela qual o nosso
arcabouço jurídico não coíbe eficazmente as formas de trabalho escravo
existentes. Pior do que a estrutura jurídica tem sido a aplicação das leis que
já existem, a começar pelos inquéritos que não se fazem, passando pelas ações
penais que não são propostas, chegando, enfim, às penas que não se cominam.
Continua...
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