Pesquisadores
da equipe do Hospital Professor Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), estudam a viabilidade de se usar a vacina
contra poliomielite (mais comumente chamada de paralisia infantil) no combate à
covid-19. A expectativa é de que a substância seja usada não como imunização
contra o novo coronavírus, mas no fortalecimento do sistema imunológico,
reduzindo as chances de se contrair a infecção ou, ao menos, atenuando os
sintomas graves do quadro clínico.
Em entrevista, o coordenador
da pesquisa, Edison Fedrizzi, explicou que a possibilidade vem sendo estudada
em todo o mundo, inclusive pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças
(CDC), dos Estados Unidos.
"O que há de
pesquisa hoje é, justamente, procurando uma vacina que estimule a
produção de anticorpos contra a covid-19. O que estamos propondo agora é
utilizar alguma dessas vacinas que temos no nosso meio, já disponíveis, para
estimular essa primeira etapa [de defesa do organismo]. Como não é uma vacina
contra o novo coronavírus, não vamos produzir anticorpos contra ele. O que
queremos é fazer uma barreira protetora, inicial, para que o indivíduo não
desenvolva a infecção, caso entre em contato com o vírus. Pensamos que
poderíamos, também através desse estímulo de defesa, diminuir a gravidade da
doença", detalhou.
Para avaliar se o método é
eficaz, o grupo de pesquisadores da UFSC pretende selecionar 300 voluntários,
todos trabalhadores da área da saúde. A escolha desse segmento se deve ao fato
de que estão mais expostos à covid-19 e podem ser beneficiados pelo projeto
mais diretamente. Metade deles irá receber a vacina oral de poliomielite (VOP)
e a outra metade receberá placebo.
De
acordo com o pesquisador, como vacina emergencial, foram consideradas outras
duas opções: a BCG, que protege contra tuberculose, e a de sarampo. Ambas
também já estão sendo testadas por cientistas. "Todas têm como
característica o microorganismo vivo, mas atenuado. Esses tipos de vacina
provocam uma resposta imunológica, essa que nós queremos estimular, a inata,
muito grande, importante, diferente de outras vacinas, em que temos apenas a
proteína ou o microorganismo morto, como a de hepatite, a do HPV",
esclareceu Fedrizzi.
"Tínhamos
essas três candidatas a essa função. Vimos algumas discussões, principalmente
do CDC, do virologista Robert Gallo, falando que a vacina da pólio tem muitas
vantagens, porque não seria uma medicação injetável, seria via oral, com rápida
resposta, uma vacina barata, segura e com a qual temos grande chance de termos
essa proteção", comentou o coordenador, salientando que a vacina específica contra o Sars-coV-2, como a que está
sendo desenvolvida pelo Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração
(Incor), da Universidade de São Paulo (USP), ainda pode
demorar vários meses para ficar pronta.
"O
que observamos em outros países é que a vacina de poliomielite passou a
ser incorporada junto com outras, no calendário da criança, de forma injetável.
Então, perdeu um pouco desse perfil de estimular a imunidade inata que a oral
nos dá. Nós temos uma facilidade enorme em relação a países que já trocaram a
vacina oral pela injetável: o fato de termos disponível a forma oral, produzida
pela Bio-Manguinhos [Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos], que é barata
e é oferecida no Programa Nacional de Imunizações. E aqui também temos a
indicação dessa vacina para adultos quando vão viajar para algum país que tenha
a doença como endêmica. Então, pessoas adultas, quando vão para esses locais,
recebem essa recomendação", acrescentou.
De
acordo com o Ministério da Saúde, a poliomielite ainda aparece com alta
incidência no Afeganistão, na Nigéria e no Paquistão. Desde 1990, o poliovírus
selvagem não é identificado no Brasil e, em outubro de 2019, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) repercutiu o anúncio, feito por uma comissão
independente de especialistas, de que o poliovírus selvagem tipo 3 foi
erradicado em todo o mundo, de forma que somente o tipo 1 ainda circula.
Segundo
Fedrizzi, a equipe tem conseguido apoio para desenvolver o projeto, mas ainda
precisa ampliar o aporte de recursos para iniciar as pesquisas. Para que possa
seguir com o cronograma desenhado, aguarda retorno do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e do Ministério da Saúde, a
quem submeteu a proposta para obtenção de recursos, e da Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa (Conep). Até o momento, os pesquisadores se reuniram com a
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), responsável pela Bio-Manguinhos, e conseguiram
verbas da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina
(Fapesc). Outro requisito cumprido foi a anuência do comitê de ética da UFSC.
O
coordenador ainda destacou que, apesar de estarem contando com o indicativo de
que a vacina de poliomielite possa ser empregada para esse fim, é preciso
entender que não se trata de uma certeza. “Temos bastante evidências de que
isso pode funcionar, mas não podemos dizer que isso vai funcionar”, destacou.
“Não
podemos correr o risco de fazer o que a gente vê que está acontecendo, que é
quando sai na mídia 'olha, tem uma medicação que vai ser testada e,
possivelmente, tenha uma ação contra o coronavírus', e as pessoas acabam indo
às farmácias e esgotando a medicação. Então, gostaria que as pessoas tivessem
um pouco de calma, porque é um estudo e temos bons argumentos de que possa
funcionar. Assim que a gente tiver os resultados, a gente vai
divulgar."
Edição: Lílian Beraldo/Agencia Brasil