Lá em casa, a Páscoa era a
data mais festejada do ano. Além da ressurreição de Cristo, também
comemorávamos o aniversário de meu pai. Ele nascera em 1916, num longínquo
domingo de Páscoa e por isso, recebeu o nome de Paschoal. Não importava em qual
dia do mês de março, desde que fosse no domingo da Páscoa, os amigos e
familiares apareciam para o almoço festivo, aquela coisa de italianos, com mesa
farta, muito vinho e assados de todo tipo.
Meu pai tinha um amigo,
grandão e branco como um porco landrace. Não sei qual a nacionalidade dele mas
era conhecido por Adolpho polaco e morava em um sítio onde não havia luz
elétrica e nem banheiros, cuidando de seus rebanhos de cabras e carneiros.
Certa vez, aconteceu um acidente tragicômico com o homem que culminou com sua
ida ao hospital e virou piada na cidade: Devido à sujeira e falta de higiene em
que vivia, ele ficou infestado de piolhos e no intuito de matar os parasitas,
esfregou querozene em todos os pelos do corpo, tanto nas partes púdicas como
nas impúdicas.
Durante a noite, com uma
lamparina acesa, tentou verificar se os piolhos haviam morrido mas ao aproximar
demais o pavio de suas virilhas o fogo passou para seu corpo, chamuscando tudo
quanto tinha de pelos e penugens. Ficou vários dias de quarentena com as pernas
abertas, penduradas e cobertas apenas com um fino lençol.
Meses depois, na Páscoa, meu
pai convidou o amigo para almoçar lá em casa. Quando chegamos da missa, desde a
rua já sentimos o aroma delicioso da leitoa à pururuca que só minha mãe sabia
fazer. A mesa estava posta e o Adolpho polaco, já meio zonzo pelos canecos de
vinho que meu pai servia, falava alto e gesticulava a todo vapor. Nossa casa
era assobradada e no canto da cozinha tinha um pequeno cano de metal por onde
escoava a água em dias de faxina. Fomos, eu e meus irmão, pelo quintal e
utilizando-nos do cano como um gramofone, gritamos a plenos pulmões:
"Adolpho polaco, botou fogo no saco... Adolpho polaco, botou fogo no
saco..." O homem virou uma fera e não sabendo de onde provinha a zombaria,
saiu pela rua, esbravejando e procurando os autores da desfeita.
Leitoa à Pururuca: a leitoa
não deve ser grande e nem muito gorda (uns 7 a 8 quilos) e temperada de
véspera, da seguinte maneira: perfure a carne em vários pontos (sem cortar a
pele), esfregue sal, pimenta-do-reino e alho espremido por toda a leitoa,
principalmente nas partes do couro. No liquidificador, bata uma vinha d'alhos
com duas cebolas grandes uma cabeça inteira de alho, uns raminhos de alecrim, 3
folhas de louro (ou louro em pó), 5 colheres de molho inglês, 1 copo de água, 1
copo de vinho seco (branco ou tinto), azeite de oliva e pimenta a gosto. Em uma
vasilha larga e rasa (não pode ser de alumínio) coloque a leitoa com o couro
para cima (a pele não pode ficar molhada) e deixe tomar tempero. No dia
seguinte, leve-a para assar em forno alto e pré-aquecido. Não é necessário
cobrí-la, desligue o forno somente quando a pele ficar com uma cor de caramelo
escuro e crocante. Sirva com limão, farofa (receita do dia 13 de junho), arroz
branco, tutu de feijão e couve refogada. O segredo é não deixar a pele da
leitoa em contado com a vinha d'alhos.
Enviado pela leitora, Ana
Aparecida – Teolandia Bahia