Milonga é doidinho e vive catando coisinhas no chão, na
cidade de São José do Egito e ninguém (nem ele mesmo) lhe sabe o nome, ou de
onde veio. Mulato e baixinho, tem o tipo físico dos habitantes da zona
canavieira de Pernambuco, lugar de onde acham que ele veio.
Solícito, não é homem para negar um mandado a ninguém, por
isso, um lhe dá a roupa outro a comida e assim vai tocando a sua vida, debaixo
da benevolência e da imensa piedade de Deus. Otacílio era um rapaz ainda muito
novo, quando morreu de um “sucesso”.
Uma “Lazarina” de cano fino, uma medida de chumbo seis, outra
de pólvora “Elefante”, duas buchas de corda bem vaquetadas, uma espoleta
“Pica-pau”, e um garrancho que bateu na queixa da espingarda, que era “muito
doce” (espingarda doce é aquela que dispara com muita facilidade e que a gente
conduz com muito cuidado, nos braços, assim como quem carrega roupa engomada),
promoveram o tiro que lhe varou a titela. O que foi uma pena pois era um rapaz
muito moço ainda.
Como ninguém tinha coragem de dar a notícia ao seu avô, já
velhinho e morando a uma certa distância, Milonga se encarregou de ser o
emissário de tão triste novidade .para o coitado que era louco pelo neto a quem
chamava de Tercílio por que não conseguia pronunciar-lhe o nome corretamente. Lá
vai Milonga cumprir a sua missão macabra... Encontra o velhinho, sentado numa
espreguiçadeira, na sala da casinha onde morava, conversando com as suas
“apragatas”, assuntando coisas da vida, sem importância.
Milonga, sem “arrodeios”, botou a cabeça na janela e foi logo
anunciando a tragédia:
– Seu Chiquinho, sabe Tercílio, seu neto ?
– Sim, o que foi que houve?
– Morreu! – Morreu dum tiro de espingarda, lá nele, bem na
caixa dos peitos!
O pobre não se conteve:
– Ah meu Deus, meu neto morreu e eu não quero mais viver, eu
quero ir junto com ele!, Eu quero ir pro céu com ele!
Milonga, que a tudo assistia impassível, foi providencial:
– Apois ”côide” logo, seu Chiquinho, que já tão fechando o
caixão!