Médicos da
rede pública em algumas regiões do país se dizem pressionados pela crescente
recomendação para que prescrevam a cloroquina a pacientes infectados pela
Covid-19.Na rede privada, a indicação pelo uso da droga também aumenta e já faz
parte de protocolos de alguns planos de saúde.
A pressão
pelo uso do medicamento aumentou após a demissão de Nelson Teich do Ministério
da Saúde, na sexta-feira (15). O ex-ministro deixou a pasta por discordar do
presidente Jair Bolsonaro (sem partido) sobre a sua prescrição.
Em
resposta à influência crescente de médicos alinhados ao presidente da
República, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC)
divulgou documento afirmando que a cloroquina não tem eficácia comprovada
contra o coronavírus e reforçou com seus profissionais o fato de que eles não
são obrigados a prescrever a droga.
A SBMFC representa os médicos que atuam em 47,7 mil
equipes de atenção básica no Brasil, 80% delas por meio do Sistema Único de
Saúde (SUS).O conflito entre médicos pró e contra o uso da cloroquina se
acirrou sobretudo em estados onde os leitos de UTIs na rede pública estão
chegando ao fim, deixando o medicamento como uma das poucas opções.
A
recomendação para a cloroquina cresce apesar da falta de estudos completos que
corroborem sua eficácia e minimizem os efeitos colaterais, como arritmias que
já levaram pacientes à morte.Centenas de médicos em todo o país, no entanto,
vêm se unindo a favor do uso precoce da cloroquina em manifestos como o Médicos
pela Vida na Covid-19, uma plataforma que estimula o apoio à prescrição do
medicamento via grupos de WhatsApp.
No Recife, outro grupo de médicos autodenominado Doutores
de Verdade passou a ser investigado em sigilo pelo Conselho Regional de
Medicina de Pernambuco por distribuir cloroquina em comunidades pobres.
Segundo
a médica de família Rafaela Pacheco, o grupo chegou a promover "caravanas
de doações" da droga em atendimentos sem prontuários médicos. "Isso
se espalhou para Caruaru e Petrolina [no interior] sob a alegação do sucesso da
experiência no Recife", diz Pacheco.Entre as promotoras do grupo está a
deputada estadual Clarissa Tércio (PSC-PE), ferrenha apoiadora de Bolsonaro e
de manifestações contra o isolamento social. Procurada pela reportagem, ela não
respondeu.
Segundo
Denize Ornellas, diretora da SBMFC, a "polarização política no país
invadiu a esfera médica" nessa questão. Ela afirma que a decisão da
entidade pela divulgação do documento serve para tentar "blindar" os
profissionais que não quiserem prescrever a droga.Ornellas teme, no entanto,
que sem leitos de UTI e com o governo federal recomendando intensamente a
cloroquina, muitos pacientes acabem exigindo o medicamento. "Em vez de
ajudar, a cloroquina usada precocemente pode causar problemas que não
existiam", diz.
Em
entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique
Mandetta previu que o uso indiscriminado da cloroquina poderá aumentar o número
de mortos pelo novo coronavírus em casa.
Em contraposição, o grupo Médicos pela Vida na Covid-19
afirma que, "no Brasil, ainda estamos incrivelmente apegados à ideia
equivocada, preconizada no início da pandemia: agir com isolamento social e
restringir o tratamento medicamentoso apenas para casos mais graves (...)
enquanto que boa parte do mundo já reconheceu o equívoco terapêutico inicial e
passou a estabelecer o uso medicamentoso bem precoce".
Segundo
o artigo 113 do Código de Ética Médica, do Conselho Federal de Medicina, é
proibido "divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou
descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido
cientificamente por órgão competente".
Até agora, com base nas pesquisas disponíveis, esse
continua sendo o caso do uso da cloroquina para o tratamento da Covid-19.
Fonte: Folha Folhapress