Na primeira sessão ordinária do ano
na Câmara Municipal de Araraquara (SP), a vereadora
Thainara Faria (PT) causou polêmica ao justificar aos demais vereadores por que
não participará do “rodízio” para ler um trecho da Bíblia, como determina o
regimento interno da casa na abertura dos trabalhos parlamentares.
“E se
ao invés de chamarmos o vereador para ler um trecho da Bíblia, a gente chamasse
um vereador para vir aqui e encarnar um caboclo e falar a palavra de outras
religiões?”, questionou.
Segundo o regimento interno da
Câmara, a leitura da Bíblia deve ser feita pelos parlamentares em todas as
sessões, obedecendo à sequência da ordem alfabética.
Caso
algum não queira participar do rodízio, deve solicitar a retirada de seu nome
da lista elaborada para este fim.
Estudante de direito, Thainara tem
22 anos, é a mulher mais jovem e a primeira negra a ocupar uma cadeira na
Câmara de Araraquara.
Em seu primeiro discurso, ela afirmou que o Brasil é um Estado Laico e, por isso, as entidades governamentais têm que ser neutras em relação às religiões.
Em seu primeiro discurso, ela afirmou que o Brasil é um Estado Laico e, por isso, as entidades governamentais têm que ser neutras em relação às religiões.
“Sou
católica praticante, mas não posso doutrinar minha religião aos outros, isso é
um erro. Meus princípios e o princípio religioso que sigo têm que ser para
‘Thainara Faria’ pessoa. A vereadora tem que representar o povo. Eu não posso
colocar meus interesses particulares e pessoais de religião no ambiente
político, isso é um erro”, justificou.
Thainara
ainda sugeriu aos outros 17 vereadores a ampliação do leque espiritual,
contemplando a leitura de outros livros sagrados, como o evangelho kardecista,
o alcorão e até mesmo textos sobre o ateísmo.
“É uma
infelicidade que o povo não tenha conhecimento e domínio da lei, mas o
legislador, o vereador, o parlamentar, era pra ter o conhecimento da lei e não
fazer nada que ferisse a constituição. A gente espera que o parlamentar conheça
a constituição, conheça os princípios do nosso país, mas eles não conhecem”,
criticou a vereadora.
O artigo 148, que define a leitura
da Bíblia nas sessões, foi instituído em 21 de julho de 2006 no regimento
interno da casa.
O
presidente da Câmara, Jeferson Yashuda (PSDB), afirmou que o documento garante
a livre opinião do vereador, além de garantir o direito de o mesmo se recusar a
ler o trecho do livro sagrado.
“Foi passada uma lista para todos os vereadores e eles assinalaram que desejariam, por ordem alfabética, ler um trecho da Bíblia. A vereadora Thainara fez a opção contraria, mas isso é uma coisa interna. Na verdade, muitas vezes ninguém perceberia que ela não estaria fazendo, porém ela quis manifestar sua opinião e nós respeitamos a opinião dela”, disse.
“Foi passada uma lista para todos os vereadores e eles assinalaram que desejariam, por ordem alfabética, ler um trecho da Bíblia. A vereadora Thainara fez a opção contraria, mas isso é uma coisa interna. Na verdade, muitas vezes ninguém perceberia que ela não estaria fazendo, porém ela quis manifestar sua opinião e nós respeitamos a opinião dela”, disse.
Segundo
o Yashuda, que está no segundo mandato, esta é a primeira vez que alguém se
posiciona contra a leitura nos últimos oito anos. “A posição da vereadora é
legítima, previsto no regimento. Agora a manifestação dela que causou surpresa,
causou essa repercussão toda”.
O cientista político Gabriel
Antonio afirmou que, embora o Estado seja religiosamente neutro, é possível
estabelecer vínculos com igrejas desde que visem, na forma da lei, ao interesse
público.
“É
importante esclarecer que a oferta de serviços religiosos, como a realização de
cultos, missas e orações, deve ser uma iniciativa de foro privado, restando ao
Poder Público apenas a obrigação de garantir a liberdade de consciência e de
crença, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de
cultos e suas liturgias, conforme apresenta o Inciso VI do Artigo 5º da
Constituição”.
Ainda
segundo o cientista, a imposição da leitura bíblica pode ofender o caráter
laico do país. “Com base em uma interpretação estritamente constitucional do
princípio da laicidade do Estado, é possível dizer que a leitura de trechos da
bíblia em sessões camarárias, definida mediante imposição regimental, ofende o
caráter laico do Estado brasileiro”.
Reportagem de Caliandra Segnini, do G1 São Carlos e
Araraquara.
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