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quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

Vereadora se recusa ler a Bíblia em sessão e gera polêmica




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Na primeira sessão ordinária do ano na Câmara Municipal de Araraquara (SP), a vereadora Thainara Faria (PT) causou polêmica ao justificar aos demais vereadores por que não participará do “rodízio” para ler um trecho da Bíblia, como determina o regimento interno da casa na abertura dos trabalhos parlamentares.
“E se ao invés de chamarmos o vereador para ler um trecho da Bíblia, a gente chamasse um vereador para vir aqui e encarnar um caboclo e falar a palavra de outras religiões?”, questionou.
Segundo o regimento interno da Câmara, a leitura da Bíblia deve ser feita pelos parlamentares em todas as sessões, obedecendo à sequência da ordem alfabética.
Caso algum não queira participar do rodízio, deve solicitar a retirada de seu nome da lista elaborada para este fim.
Estudante de direito, Thainara tem 22 anos, é a mulher mais jovem e a primeira negra a ocupar uma cadeira na Câmara de Araraquara.

Em seu primeiro discurso, ela afirmou que o Brasil é um Estado Laico e, por isso, as entidades governamentais têm que ser neutras em relação às religiões.
“Sou católica praticante, mas não posso doutrinar minha religião aos outros, isso é um erro. Meus princípios e o princípio religioso que sigo têm que ser para ‘Thainara Faria’ pessoa. A vereadora tem que representar o povo. Eu não posso colocar meus interesses particulares e pessoais de religião no ambiente político, isso é um erro”, justificou.
Thainara ainda sugeriu aos outros 17 vereadores a ampliação do leque espiritual, contemplando a leitura de outros livros sagrados, como o evangelho kardecista, o alcorão e até mesmo textos sobre o ateísmo.
“É uma infelicidade que o povo não tenha conhecimento e domínio da lei, mas o legislador, o vereador, o parlamentar, era pra ter o conhecimento da lei e não fazer nada que ferisse a constituição. A gente espera que o parlamentar conheça a constituição, conheça os princípios do nosso país, mas eles não conhecem”, criticou a vereadora.
O artigo 148, que define a leitura da Bíblia nas sessões, foi instituído em 21 de julho de 2006 no regimento interno da casa.
O presidente da Câmara, Jeferson Yashuda (PSDB), afirmou que o documento garante a livre opinião do vereador, além de garantir o direito de o mesmo se recusar a ler o trecho do livro sagrado.

“Foi passada uma lista para todos os vereadores e eles assinalaram que desejariam, por ordem alfabética, ler um trecho da Bíblia. A vereadora Thainara fez a opção contraria, mas isso é uma coisa interna. Na verdade, muitas vezes ninguém perceberia que ela não estaria fazendo, porém ela quis manifestar sua opinião e nós respeitamos a opinião dela”, disse.
Segundo o Yashuda, que está no segundo mandato, esta é a primeira vez que alguém se posiciona contra a leitura nos últimos oito anos. “A posição da vereadora é legítima, previsto no regimento. Agora a manifestação dela que causou surpresa, causou essa repercussão toda”.
O cientista político Gabriel Antonio afirmou que, embora o Estado seja religiosamente neutro, é possível estabelecer vínculos com igrejas desde que visem, na forma da lei, ao interesse público.
“É importante esclarecer que a oferta de serviços religiosos, como a realização de cultos, missas e orações, deve ser uma iniciativa de foro privado, restando ao Poder Público apenas a obrigação de garantir a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de cultos e suas liturgias, conforme apresenta o Inciso VI do Artigo 5º da Constituição”.
Ainda segundo o cientista, a imposição da leitura bíblica pode ofender o caráter laico do país. “Com base em uma interpretação estritamente constitucional do princípio da laicidade do Estado, é possível dizer que a leitura de trechos da bíblia em sessões camarárias, definida mediante imposição regimental, ofende o caráter laico do Estado brasileiro”.

Reportagem de Caliandra Segnini, do G1 São Carlos e Araraquara.


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