Um
homem armado com um facão manteve refém um passageiro no metrô de Salvador, na
tarde de quarta-feira, por duas horas. Ao ser liberada, a vítima informou que o
homem teria dito que tem depressão e desejava morrer. O episódio alerta para a
importância de trazer ao debate público as questões de saúde mental, em
especial quando o sofrimento do paciente acaba levando à violência.
O psiquiatra e diretor clínico da Holiste Psiquiatria,
Luiz Fernando Pedroso (foto), salienta que os episódios chamados de surtos não
acontecem de uma hora para outra - eles são anunciados paulatinamente.
“Às vezes o doente está sofrendo, retraído, fugindo dos
contatos sociais, mas não está incomodando então as pessoas ignoram, não dão
atenção àquela pessoa e ao seu sofrimento. Mas, a doença cresce, e ela não
suporta ser ignorada”, destaca o psiquiatra.
Ele opina que não se pode subestimar a doença mental, o
que é feito muitas vezes em função de estigmas, tabus, preconceitos e falta de
conhecimento sobre a gravidade do problema.
“A doença sempre existiu, a diferença é a subestimação
que a doença mental ganhou nos dias de hoje. Perde-se tempo demais e não se
discute o principal que é a própria patologia. A doença mental mata, tanto o
doente, às vezes por suicídio, quanto os outros, em episódios que podem ter um
final trágico”, afirma Luiz Fernando.
O surto psicótico é um episódio de desordem da
representação da realidade, que pode estar presente em vários transtornos
psiquiátricos, oferecendo riscos aos pacientes e a terceiros. Traz como
características mais conhecidas os delírios, alucinações e comportamentos desorganizados.
A pergunta que fica é se é possível prevenir um surto e
evitar que ele termine em violência. Para o psiquiatra, o desenvolvimento do
surto não é totalmente previsível, mas é possível identificar os fatores de
risco desde a infância e tomar medidas preventivas.
“A predisposição genética é uma coisa muito importante,
boa parte dos transtornos têm componentes hereditários muito fortes. Mas,
genética não é destino, é probabilidade. A pessoa pode ou não desenvolver a
doença, ela pode ter uma fragilidade prévia, mas vai desenvolver a depender dos
gatilhos, do estresse, dos fatores desencadeadores. Mas há pessoas que
desenvolvem esses quadros sem gatilhos. Então, é variável. Agora, a doença
mental existe também na infância, e um dos sinais mais relevantes é o
rendimento escolar, que a gente negligencia muito. Se uma criança tirar notas
baixas e repetir de ano, com a baixa qualidade das nossas escolas a gente se
acostuma com isso; mas esse pode ser o indicador de que algo não vai bem”,
pontua.
Segundo Luiz Fernando, qualquer pessoa pode apresentar um
episódio de surto psicótico em algum momento da vida. São vários os motivos que
podem levar ao desenvolvimento de um quadro deste tipo; porém, as pessoas que
sofrem de estresse intenso, de transtorno bipolar, de transtornos de
personalidade do tipo paranóide (paranoia), narcisista, esquizotípica ou
borderline, podem ter uma propensão maior. Estes surtos ocorrem, com maior
frequência, entre os 20 e 30 anos.
Diagnóstico e intervenção:
Luiz Fernando enfatiza que a doença mental é
multifatorial – com componentes biológicos, psicológicos e sociais, sendo mais
eficaz tratá-la com uma abordagem multidisciplinar, principalmente nos casos
agudos, nos quais é necessário internar o doente para que receba uma assistência
intensiva.
O tratamento do quadro de surto psicótico é definido a
partir da avaliação de um profissional especializado, que irá identificar
aspectos como hereditariedade, assim como eventos estressores ou fragilidades
emocionais próprias do paciente, algo que possa ter desencadeado o surto.
Estabelecido o diagnóstico, é possível definir o melhor tratamento para o
indivíduo.
“Quanto mais cedo a gente intervém num processo
patológico, mais chance temos de recuperar a pessoa e evitar tragédias. A
dificuldade é aceitar a ideia de levar o familiar para o tratamento com um
profissional de saúde mental, reconhecendo que ele pode estar com desequilíbrio
mental. A tendência é negar a existência da doença mental”, alerta o
psiquiatra.
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