Quando morava em São Paulo, ainda
menino, Milton Gonçalves diz ter sido impedido por um segurança de assistir a
um filme no cinema. O motivo? Sua cor. Hoje, aos 85 anos e com a carreira
consolidada no teatro e nas telas que um dia lhe foram negadas, ele afirma que
percorreu um caminho longo e difícil para galgar o prestígio profissional.
Semanas
antes do Dia da Consciência Negra, comemorado nesta quarta-feira (20), o
ator conversou com a reportagem sobre igualdade racial. "Meu país é o
Brasil, e os brasileiros são todos: brancos, negros, amarelos, azuis."
Data
atribuída à morte de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo do período
colonial e símbolo de resistência contra a escravidão, o feriado do Dia
Consciência Negra, instituído pela lei 10639/03, entrou para o calendário em
2011. A norma, ainda, determina a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura afrobrasileira nas escolas, com o objetivo de resgatar a contribuição
do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à história do
Brasil.
O
ator relembrou episódios de preconceito que viveu ou testemunhou ao longo da vida
e diz que um presidente negro no Brasil o faria se sentir mais representado na
sociedade. Ele afirma que faltam representantes negros, índios e orientais
na política nacional.
Às
vezes as pessoas falam que sou racista, mas sou um ser humano, e nós negros
somos metade da população desse país e nunca tivemos um presidente negro.
Tivemos três governadores negros no país e mais nada. Nos EUA teve um
presidente negro, com a família negra o acompanhando. Não termos a mesma coisa
me incomoda", diz Gonçalves.
Ele também externa sua insatisfação quanto ao vocabulário
muitas vezes utilizado na aferição a negros no Brasil. "Quero que não
tenhamos mais essa coisa de chamar o outro de 'crioulo'. Crioulo é cavalo
nacional. Eu sou negro. Temos que respeitar as negras. Não é 'crioulinha'.
É uma jovem negra. Temos que batalhar. O dia em que tivermos um presidente
negro vou dizer: puxa, nós todos batalhamos bastante (...) Nós, negros, somos
cidadãos, mas infelizmente ainda não somos respeitados como tais."
O veterano fala ainda sobre as dificuldades que teve no
relacionamento com Oda Gonçalves, mãe de seus três filhos, com quem foi casado
de 1966 a 2013, ano em que ela morreu. Oda era branca. "Nós nos amávamos.
A família dela foi contra e fez de tudo para nos afastar. A minha também. Mas
eu gostava dela e pronto. De vez em quando, ela era desrespeitada quando
dizia que seu marido era eu. Achavam que tinham o direito de ficar sacaneando
ela. O couro comia."
Sem lembrar a data exata do ocorrido, Gonçalves também
relembra um episódio de racismo que aconteceu no Clube de Regatas Tietê, em São
Paulo, durante um baile de Carnaval. "Quando era menino, ia lá para a
frente do clube com meus amigos para vermos as fantasias das pessoas. Um casal
fantasiado de árvore chegou ao baile e estávamos todos na calçada olhando, pois
não podíamos chegar muito perto. Dentro do clube, eles tiraram uma parte da
fantasia. [Os seguranças] viram que o homem era negro e colocaram o casal para
fora."
O ator segue com o relato dizendo que o referido casal
tinha um filho negro e um branco, que estudavam em colégios diferentes por
causa da cor. "O filho mais claro deles estudava em uma escola de brancos.
O negro não podia (...) Até hoje em certos lugares ainda temos preconceito
racial." E finaliza: "Desde o dia, há muitos e muitos anos, que
não pude entrar no cinema porque era negro, vi que tinha que mudar as
coisas."
Famosidades
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