Lauro Guedes tinha nove
filhos homens. Sustentava a todos com a renda do Hotel Brasil, de que era
proprietário. Situado a uma quadra da Praça XV de Novembro, em São Borja, era
praticamente a única hospedaria da cidade nos anos 40. Além dele a pensão de
dona Miloca, do seu Gastão Ponsi e mais algumas menos credenciadas. Seu Guedes,
como o chamavam, era o fac-totum do hotel. De estatura média, ágil de corpo,
atendia portaria e cozinha, revisava quartos, fazia o rol das compras do dia e
tinha tempo, ainda, para entreter longos papos com seus amigos mais chegados -
dentre os quais o doutor Baglioni, o José Motta "da farmácia", o seu
Raymundo "da Prefeitura" e mais alguns. Na portaria de seu hotel
apenas uma pequena sala com uma escrivaninha e algumas cadeiras - o mate não
parava nunca. Seu Guedes conversava com quantos chegassem, sabia as novidades
da capital e de Santa Maria através dos viajantes que se hospedavam e as
notícias do interior pela boca dos fazendeiros seus clientes.
Seu hotel, em termos atuais,
não mereceria talvez -nem mesmo uma estrela. Salvo três ou quatro quartos de
casal, os demais comportavam de duas a quatro,camas, além dos aposentos
improvisados - no corredor, na sala de refeições - onde colocava colchões
quando a lotação normal esgotava. O cardápio era espartano: arroz, feijão,
carne frita, às vezes um pedaço de abóbora, batata doce ou aipim. Sobremesa e
cafezinho eram luxos.
Os sanitários, por sua vez,
não primavam pelo asseio. Tinham o fundamental: o vaso para as necessidades,
uma pia, um chuveiro de água fria, fosse no inverno ou verão. Se alguém
desejasse banho quente, seu Guedes providenciava um "bacilhão" de
lata e uma chaleira grande de água fervente.
Um viajante novo, que se
hospedava pela primeira vez no Hotel Brasü, teve necessidade de usar o
sanitário. Fez o que tinha de fazer, veio à portaria e reclamou de seu Guedes:
- O senhor não me leve a mal, mas seus banheiros não permitem nem mesmo que se
vá aos pés com tranqüilidade. Milhares de moscas não deixam a gente nern mesmo
abrir a boca. Seu Guedes nem se pertubou:
- É que o amigo não conhece
os segredos do meu hotel. Quando desejar tranquilidade no sanitário - já vi que
o senhor é um homem fino -, procure usá-lo na hora do almoço. Não vai encontrar
uma única mosca.
- Mas como?
- É que na hora da bóia elas
se mudam todas para o refeitório.
Por Roberto Cohen
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