Está em tramitação em uma
comissão especial na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 3.515/15,
que estabelece mecanismos para evitar o superendividamento e promover a
educação financeira. A proposta, aprovada no Senado, foi sugerida por juristas especializados
em Direito do Consumidor. Especialistas ouvidas pela Agência Brasil são
favoráveis a medidas para conter a tomada de crédito e gastos desnecessários.
“A gente precisa mudar a cultura da população para cultura da poupança e não do
endividamento. Novas dívidas significam pior qualidade de vida”, opina a juíza
Caroline Lima, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e de Cidadania –
Superendividados (Cejusc/Super) em funcionamento no Tribunal de Justiça do
Distrito Federal (TJDFT).
“O
materialismo impera e todos são levados a essa crescente necessidade de ampliar
os bens, o que pode ocasionar o superendividamento. Há uma compulsão para o
consumo. Não temos tradição de poupança e reservas”, complementa a
desembargadora Ana Maria Duarte Amarante. Segundo ela, a facilidade e o
estímulo do consumo via internet pioram o quadro. “A tecnologia está armada
contra os indivíduos. Eles sabem tudo. Tem tudo em algoritmo sobre gastos e
preferências”, alerta a desembargadora ao comentar que “apenas um terço da
população brasileira tem alguma forma de poupança”.
A
proporção também impressiona negativamente a administradora Annalisa Blando Dal
Zotto, especialista em planejamento financeiro. Segundo ela, é preciso guardar
mais e gastar menos. “As únicas dívidas saudáveis são os financiamentos que têm
bem como garantia, como casa e carro, desde que que não sejam muito maior do
que a Taxa Selic”. Para Dal Zotto, a recente redução da Selic para 5% ao ano “é
uma oportunidade para renegociar dívidas”. Ela alerta, no entanto, que a taxa
básica de juros está no menor patamar da história, mas outras taxas continuam
extremamente elevadas. “A Selic está a 5%, mas continua muito danoso tomar
qualquer tipo de empréstimo. O cheque especial está a 250% ao ano. O empréstimo
consignado ainda é 30% ao ano”, pondera.
“A
redução é positiva. É época de cobrar renegociação”, sugere a juíza Caroline
Lima. Ela alerta para os riscos dos novos financiamentos. “Embora as taxas
sejam menores, os bancos estão embutindo custos mais altos. Tem que reparar no
custo final da dívida. Se o custo total está se reduzindo de fato. Eu fiz uma
simulação de financiamento imobiliário por curiosidade e vi que eles estão
aumentando”, denuncia.
Para
a psicóloga Amália Raquel Peres, que em projeto de pesquisa e extensão
acompanha a mediação do Cejusc/Super, “o problema não é só juros, mas a
facilidade de sacar o dinheiro. A agilidade para se conseguir empréstimo é
muito ruim”, reclama.
“O
crédito fácil funciona como um gatilho para resolver. A pessoa vai surfando,
vai do cheque especial para o cartão, do cartão para o empréstimo. Até que toma
um capote da onda e se afoga. Mas não é má fé. É desorganização”, acrescenta.
Peres
analisou cerca de 1,5 mil casos de pessoas superendividadas que pediram
renegociação com credores por meio do Cejusc/Super desde 2015. Chamou a atenção
dela que a quase totalidade das pessoas superendividadas é formada por gente
que tem emprego, formação cultural e estabilidade. “Oito de cada dez pessoas
superendividadas em Brasília são funcionários públicos. Os bancos querem
garantias de que quem vai pegar o empréstimo tem condições de pagar.
Funcionário público tem lastro”, avaliza.
Segundo
ela, não há uma razão predominante para o superendividamento, mas um conjunto
de motivos. “É um contexto de multifacetas tem componente de adoecimento
mental, poder, cultura, de suporte social e de situações econômicas”, enumera.
A
psicóloga sugere que as pessoas busquem ter uma vida mais simples. “A gente não
precisa sair correndo para o cemitério. Para que eu preciso colocar mais coisa
nessa rotina que já está dura? Vamos esperar. O que não vai dar agora, pode
esperar o próximo ano. Vamos viver a vida e não sair correndo para fazer as
coisas. Fazer menos com mais qualidade pode ser melhor” recomenda.
Correio Brasiliense