Decreto
assinado pela presidente Dilma Rousseff em 7 de outubro atropela o Supremo
Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de
Contas da União (TCU) ao beneficiar uma entidade sob intervenção da Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e que está na órbita de influência política
do PT.
O ato presidencial dispensa a Geap Autogestão em Saúde, uma fundação de
direito privado, de participar de licitação para vender planos de saúde para
servidores da União. Com isso, a entidade não precisará concorrer com
operadoras do setor privado para participar de um mercado potencial de 3
milhões de usuários e que movimenta cerca de R$ 10 bilhões por ano, de acordo
com integrantes do setor.
Bastará que o órgão público interessado em contratá-la firme convênio
por meio do Ministério do Planejamento, conforme o decreto publicado no Diário
Oficial da União. A medida abre espaço para concentrar na Geap o atendimento ao
funcionalismo público, hoje pulverizado entre 34 operadoras. No dia 8 de
outubro, no mesmo dia da publicação do decreto presidencial, a Geap registrou
em cartório o novo estatuto, em que confirma ser uma fundação de direito
privado. A União, pelo estatuto, é a patrocinadora da entidade.
Apesar de ter recebido repasses do governo federal de mais de R$ 1,9
bilhão nos últimos 10 anos, a entidade é considerada uma caixa-preta porque não
presta contas ao TCU.
Em março, a ANS decretou intervenção da Geap em razão dos resultados
negativos que vinha apresentando - dívida de cerca de R$ 260 milhões.
A Geap é uma entidade de autogestão em Saúde criada pelos próprios
servidores para atuar originalmente em apenas quatro órgãos públicos: os
ministérios da Previdência e da Saúde, a Empresa de Tecnologia e Informação da
Previdência Social (Dataprev) e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A
entidade, no entanto, firmou convênios sem licitação com cerca de outros 80
órgãos (hoje diz atender 99, segundo informa em seu site), e atende mais de 600
mil servidores.
Os acordos foram alvo de questionamentos na Justiça. Em 2004, o TCU
analisou a questão e disse que a lei só permitia aos patrocinadores originais
da Geap (Previdência, Saúde, Dataprev e INSS) contratá-la sem licitação - os
convênios com outros órgãos não poderiam nem ser renovados. Em 2006, a
Procuradoria-Geral da República deu respaldo à tese do TCU ao afirmar que não
era "admissível o enquadramento do acordo firmado entre a Geap e os órgãos
e entidades da administração pública, exceto seus patrocinadores". Em
março deste ano, o STF negou pedido feito por 18 associações de servidores que
questionavam decisão e respaldou o TCU.
Na visão do TCU, da PGR e do Supremo, a Geap é uma entidade de direito
privado e, por isso, só lhe é permitido fazer convênios com seus patrocinadores
originais. A relação com qualquer outro órgão, portanto, é caracterizado como
"prestação de serviço para terceiros" e deveria ser objeto de
licitação.
O decreto de Dilma permite que a Geap firme convênios com o Planejamento,
pasta que gere a folha de pagamento do funcionalismo. Na prática, abre-se a
possibilidade para que a Geap firme convênios com todos os servidores da União,
sem licitação e sem qualquer prestação de contas dos repasses recebidos. Ao
tornar a União sua patrocinadora, a Geap tenta driblar as restrições jurídicas
à extensão de convênios com toda a Esplanada.
O deputado Augusto Carvalho (SDD-DF) disse que formulará um decreto
legislativo para sustar os efeitos do decreto presidencial. "É
inconstitucional, uma aberração, uma afronta." Carvalho pretende também
solicitar ao Supremo que torne pública a decisão sobre o tema. "Até hoje
não foi publicado o acórdão", disse o deputado.
Relator de uma proposta de Fiscalização e controle na Comissão de Defesa
do Consumidor para investigar convênios da Geap, o deputado Antonio Reguffe
(PDT-DF) disse que se surpreendeu com o decreto. "Uma vez que a Geap foi
considerada pela Justiça como uma empresa privada, deveria haver uma licitação
para que fosse escolhida a empresa que melhor atendesse o interesse público ou
o governo teria que criar uma empresa estatal para tocar o plano de seus
servidores. Agora, quem vai fiscalizar isso, se o TCU se julga incapaz de
fiscalizar porque considera uma empresa privada?", declarou.
A Geap teve como dirigentes quadros do PT e está sob a influência do
partido - os ministérios patrocinadores indicavam seus dirigentes.
A nova diretoria da Geap foi definida na última sexta-feira, 18. s os
nomes dos seis conselheiros não foram divulgados nem pela ANS nem pelo
Ministério do Planejamento.
Fonte: Poder & Política
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