Estimada senhora,
Logo na minha avenida? Nunca pensei que meu nome, na Barra da Tijuca que
projetei, viesse a ser mencionado num confronto entre militares e cidadãos. A
senhora ainda estava na faculdade quando o embaixador inglês, pai de uma linda
moça chamada Georgiana, convidou-me para um coquetel em homenagem aos
bailarinos Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev. Puxando conversa, um diplomata
americano perguntou-me se eu aceitaria um convite para visitar seu país. Eu
respondi que iria, com todo gosto, quando o último soldado deixasse o Vietnam.
Outro dia relembrei esse episódio com o general Giap, que acaba de chegar aqui
e, lembra-se a senhora, que tirou um retrato ao seu lado em Hanoi.
Logo na minha avenida, a senhora pôs militares brasileiros para jogar
bombas de gás numa manifestação em que havia mais de mil soldados e menos de
trezentos manifestantes, na maioria sindicalista, mais algumas dezenas de
mascarados. Logo na avenida de um cidadão que sempre tentou ficar longe de
controvérsias políticas.
Não entendo nada de petróleo, muito menos de operações militares, mas
acho que o general Ernesto Geisel, com quem conversei, entende. Ele está um
zorrilho. Primeiro porque acha que a Petrobras não tem nada que vender reservas
de petróleo, assim como o governo não tem que segurar a inflação comprimindo o
preço dos combustíveis. Até hoje ele tem raiva do Delfim Netto porque fez isso
nos anos 70. O Geisel diz que em vez de mandar mil homens e uma fragata, para a
minha avenida, a senhora devia ter mandado uma dezena de ônibus. Um capitão
marcaria linhas no chão e quem as ultrapassasse seria detido. Se todos os 400
manifestantes cruzassem a linha, bastariam dez onibus para tirá-los de lá até o
dia seguinte.
O Geisel reclama por termos vendido uma reserva de petróleo. Já o
Roberto Campos riu quando soube que apareceu um só consórcio interessado no
campo de Libra, arrematando-o pelo lance mínimo, diz que leilão assim até o
Stalin faria. Segundo o Campos, se a sua máquina estivesse funcionando durante
a Copa de 1950, o presidente Dutra teria comemorado o 2x1 do Uruguai. Afinal,
nossa seleção teve um saldo de 16 gols, seis a mais que o campeão.
Eu não entendo dessas coisas, mas vejo que o seu governo, bem como
administrações estaduais e municipais, estão deslizando para um clima em que se
substitui o debate por eventos. As controvérsias foram transformadas em
confrontos e a manifestação mais ostensiva do poder público está na mão da
polícia. Isso não faz bem. Começamos a nos confrontar por causa de um aumento
de tarifas de transportes impostas por prefeitos onipotentes que recuaram
depois que a rua protestou. Agora temos confrontos por causa de cachorros. Será
que perdemos a capacidade de conversar, admitindo a possibilidade de dar razão
ao outro? Até o Oscar Niemeyer está preocupado, mas só confessa isso quando
estamos sozinhos.
Quero pedir um favor à senhora e ao prefeito do Rio: quando houver a
possibilidade de pancadaria na Avenida Lúcio Costa, por favor, troquem seu
nome. Durante o charivari ela passará a se chamar “Avenida Ato Institucional nº
5”. Feita a paz, se quiserem, recoloquem minhas placas.
Do seu patrício respeitoso
Lucio Costa
Elio Gaspari é jornalista
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